O que é Ficção Cristã

Introdução: ficção e arte

É comum hoje vermos o conceito de Ficção Cristã ser reduzido a um significado puramente religioso: “ficção cristã é o gênero literário  cujo objetivo é transmitir uma mensagem religiosa ou espiritual aos leitores através de histórias envolventes.” Mas será só isso mesmo?

Diante desse conceito pressupomos que a arte cristã é ou deveria ser necessariamente uma arte religiosa, que sempre traz, quando não escancarada, uma mensagem subliminar da narrativa do evangelho. Nós aceitamos — nos referindo aqui à categoria de artistas cristãos — que a arte que produzimos seja guardada numa caixinha, uma que, na maior parte das vezes, é aprecia da apenas por outros que compartilham das mesmas crenças e, entenda, não é algo ruim, mas não soa como algo limitante?

Parece que como artistas cristãos temos a responsabilidade de ficar o tempo todo alcançando pessoas através da pregação do evangelho, que sim, é nosso chamado final, mas se mal empreendido em nossa vida de artistas, fazemos o contrário, afastando pessoas ao produzir obras fracas, tendenciosas, cheias de Deus ex machina (aqui falando de ficção) a fim de atender uma demanda evangélica que nem nos foi pedida por Deus.

tracy anderson methyl trienolone pierson fode takes a flight to europe!

É importante sempre lembrar que o cristianismo não está comprometido com a “salvação” do homem, mas com o homem como um todo (SCHAEFFER, 2010), ou então não veríamos na própria Bíblia tantos temas não-cristãos, ou temas universais, melhor dizendo, que mostram a preocupação de Deus com “todo” o ser humano, não apenas com sua alma. Agora, quando decidimos ou inconscientemente aceitamos reduzir a arte cristã a uma ferramenta evangelística (que pode ser também), corremos o risco de cair no erro de separar Sagrado e Secular, nos esquecendo da integralidade que é pedida de nós. A verdadeira espiritualidade é ter uma vida completa sob o senhorio de Cristo, e aqui inclui-se a criatividade, a arte, a ficção, ou seja, aquilo que produzimos como forma particular de expressão. Porque, uma vez que somos cristãos, tudo é sobre Deus.

Veja bem, há uma passagem em A arte e a Bíblia, de Francis Schaeffer que diz que

[…] a pessoa que realmente ama a Deus, que trabalha sob o senhorio de Cristo, pode escrever sua poesia, compor música, confeccionar instrumentos musicais, esculpir estátuas, pintar telas — mesmo que ninguém jamais veja. Ela sabe que Deus vê. (SCHAEFFER, 2010, p.

Ou seja, a arte cristã, para ser cristã, não precisa ser assim reconhecida por quem a consome, ela precisa ser arte e basta. Como servos de um Deus criativo, criados à sua imagem e semelhança, os artistas cristãos têm então a liberdade de criar, pois a criatividade em si mesma, se bem utilizada, tem o poder de apontar para um Deus criador; e boas obras de arte conseguem por si só apontarem para a beleza criada por esse Deus. A partir dessa perspectiva, o artista cristão deixa de ser alguém que tem a responsabilidade de comunicar o evangelho naquilo produz, mas ao mesmo tempo o comunica, ao tornar o seu trabalho um constante ato de adoração.

Certo, tendo passado sobre esse assunto dando luz à uma perspectiva diferente das mais comuns, retornamos à questão: o que então é Ficção Cristã? E depois de toda a discussão proposta há pouco, é realmente necessário chama-la assim?

Primeiro, sim, é necessário, e não para incluir esse tipo de produção em uma caixinha fechada de temas, como falamos, mas simples e exclusivamente como meio de categorização e organização de nicho. Para cada tipo de obra temos um tipo de autor, e se queremos encontrar autores que escrevam com uma cosmovisão cristã nada mais justo que colocar esse tipo de obra dentro da categoria Ficção Cristã.

A ficção cristã

Pois bem, esclarecido isso, chegamos enfim a uma definição:

Ficção cristã é o tipo de literatura carregada com a cultura cristã, não manifesta apenas pela religião, por temas ou representações do que é sagrado para ela, mas expressa através de uma cosmovisão aplicada. Por isso não há uma limitação temática nesse tipo de literatura (como em qualquer outra), pelo contrário, há a liberdade criativa de redimir e povoar a cultura literária com a visão e abordagem do cristão.

Nas palavras de Shaeffer (2010, p.74) , o cristão “não precisa se sentir ameaçado pela fantasia e imaginação”, ele pode percrustar qualquer questão, certo de que não cairá, a partir do momento que temos nossa fé fundamentada, vendo nosso ato como a adoração que é.  Há lugar para a arte na vida do cristão. A arte pela arte, pela beleza, pela expressão. O cristão pode contar histórias simplesmente por gostar de contar histórias. Isso é ser menos cristão? É claro que não.

Certamente, nem toda arte é Deus falando como uma musa falando inspiradora por meio de um artista. Em vez disso, é a natureza que cria. O artista como ser humano não desaparece, deixando a musa inspiradora sozinha falar. (SHAEFFER, 2010, p.31)

Agora, é importante salientar que é preciso também coerência. Em Lucas 6 é dito que as árvores são conhecidas pelos seus frutos, e é claro que, como autores cristãos fazendo arte carregada de nossos princípios cristãos é importante atentarmos para a mensagem final de nossos textos. Se de fato os princípios que temos estão ali nas histórias, se os posicionamentos estão ali — aqui, posicionamentos não de personagens, mas da obra como um todo. Afinal, é preciso lembrar que somos livres para criar, mas ainda somos escravos de Cristo, e é preciso levar a sério seu senhorio sobre o que fazemos.

É preciso sim, buscar maturidade e discernimento para saber se o que estamos escrevendo é apenas nominalmente cristão — o que faria de nós cristãos nominais —, ou se de fato estamos agindo de acordo com uma vida coerente e integral dedicada a Deus. Afinal, se somos cristãos devemos ser o tempo todo, não é? E não colocar um chapéu cristão ou tirá-lo quando sentamos para escrever.

Por fim, depois de toda a discussão sobre o assunto concluímos que a ficção cristã não se resume a temas religiosos ou ao evangelho subliminar com fim evangelístico, mas pode ser sim qualquer tipo de literatura que esteja de acordo com a cosmovisão cristã aplicada à vida, como um todo. Por isso, cristão ou não cristão pode consumi-la sem nenhum compromisso espiritual, apenas como um entretenimento.

O que diferencia então a produção do artista cristão e do não-cristão? O artista cristão sabe que, no fim não é apenas sobre aquilo, o fazer por fazer, o expor por expor; para ele, ao aplicar sua cosmovisão há uma declaração de amor. A doxologia acontece, entre ele e o Criador, e basta. Para ele isso é fazer boa arte!

A literatura produzida por cristãos deve ser bela, verdadeira e livre, um entretenimento sadio, interessante, instigante, misterioso, romântico, fantástico, poderoso o bastante para povoar uma cultura, na qual imperam incertezas e desespero.

Um cristão escrevendo ficção é também um tipo de eucatástrofe.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *